“Um clima mais variável em uma região
onde o clima geralmente é mais estável
sempre motiva muitas coisas, mas não podemos
afirmar cientificamente que esse aumento da variabilidade
do clima no Rio Grande do Sul é provocado pelo
aquecimento global”, explicou.
Carlos
Nobre é engenheiro eletrônico formado
pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica.
Na Massachussets Institute Of Technology (EUA), realizou
o doutorado em metereologia. Recebeu o título
de pós-doutor da University Of Maryland (EUA).
Atualmente, é pesquisador sênior no Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). É autor
das obras Amazonian deforestation and climate (New
York: John Wiley and Sons, 1996) e Regional Hidrological
Impacts of Climatic Change - Impact Assessment and
Decision Making (Oxfordshire: International Association
of Hidrological Sciences, 2005).
Confira
a entrevista.
IHU
On-Line – Um estudo sobre os riscos
que a Amazônia está correndo, conduzido
pelo Banco Mundial, alerta que, devido ao desmatamento,
as mudanças climáticas e as queimadas,
em 2075, só restará 30% da floresta
amazônica. Hoje, a Amazônia é a
maior floresta do mundo. Como o senhor detalharia
o cenário previsto para 2075?
Carlos
Nobre – No pior dos casos, se todas
as mudanças ambientais e globais aumentarem,
seja por desmatamento, impacto do fogo na floresta
ou por aquecimento global, ainda assim sobraria uma
faixa de 20 a 30% da floresta até o final do
século. É isso que nossos cálculos
mostram. Boa parte da floresta, no leste e no sul,
poderia desaparecer caso essas mudanças aumentarem.
No entanto, o desmatamento tem dimuído, mas
é muito difícil saber para que lado
vai o aquecimento global. Copenhague não deu
muito certo, mas há um movimento mundial de
transição para uma economia de baixo
carbono. Portanto, não é possível
prever com precisão se esse movimento dará
certo, qual é a escala de tempo, quantas décadas
irá demorar para diminuir as emissões
ou qual será o aumento de temperatura na segunda
metade do século. O que podemos imaginar são
cenários. Nem com bola de cristal alguém
conseguiria, hoje, saber exatamente qual seria a trajetória
do aquecimento global nos próximos cem anos.
IHU
On-Line – O cenário atual da
floresta permite que recuperemos as áreas que
foram desmatadas?
Carlos
Nobre – Recuperar todas as áreas
que foram desmatadas não é uma tarefa
trivial, é uma tarefa muito complicada, mas
a política de uso dos recursos da Amazônia
deve ir na direção de uma diminuição
muito grande de novos desmatamentos. Há uma
política do governo brasileiro, inclusive,
para reduzir as emissões. O que o presidente
Lula apresentou em Copenhague, e que se tornou lei,
é uma redução de 80% dos desmatamentos.
Então, podemos sim, em uma escala de dez a
quinze anos, nos encaminhar para o desmatamento zero.
É só desenvolvermos políticas
de utilização das áreas já
desmatadas. Essas políticas devem ser acompanhadas
de avanços científicos e tecnológicos
de como usar as áreas desmatadas. Talvez possamos
usar menos da metade das áreas desmatadas para
produzir alimentos e outros materiais, e recuperar
boa parte dessas áreas. Fazendo isso, também
estaríamos, no momento que a floresta secundária
regenera nas áreas desmatadas, retirando gás
carbônico da atmosfera.
IHU
On-Line – A redução das
emissões de gases estufa é a única
solução para a Amazônia?
Carlos
Nobre – São várias as
soluções. É impossível
eliminar o risco da floresta se não reduzirmos
o aquecimento global, que não pode passar muito
de dois graus. O planeta já aqueceu entre 0,7
e 0,8 graus, então precisamos, com certeza,
diminuir o aquecimento global. Um outro ponto é
que, mesmo que diminuíssemos o aquecimento
global em nome da temperatura no máximo em
graus e continuassemos a desmatar, ainda assim, a
floresta estaria em risco. A redução
do desmatamento é muito importante. Por fim,
a prática agrícola tem que ser feita
sem o uso do fogo, que é cada vez mais usado
na agricultura em todo o Brasil e América Latina.
Esse fogo acaba saindo de controle, vai entrando aos
poucos e queimando áreas de florestas. Cada
vez que se abrem mais áreas agrícolas,
mais pedaços de florestas vão sendo
queimados. Então, junto com a redução
do aquecimento global e a redução significativa
do desmatamento, deve se eliminar o fogo como prática
agrícola. O fogo não é uma boa
prática agrícola, de acordo com a melhor
agricultura que possa ser praticada na região.
IHU
On-Line – O acordo feito em Copenhague
não estabeleceu metas obrigatórias de
redução de emissões. Como fica
a Amazônia diante desse comprometimento?
Carlos
Nobre – É preocupante, não
só para a Amazônia, mas para todo o planeta,
para a sustentabilidade da vida e para a produção
agrícola. O próprio conceito de desenvolvimento
sustentável fica ameaçado se nós
não conseguirmos eliminar esse risco. O fato
de não termos chegado a um acordo legalmente
vinculante e multilateral sob o guarda-chuva das nações
unidas não significa que não poderemos
chegar a algum tipo de acordo no futuro, mas é
melhor que esse futuro seja muito imediato, se não
no México, na COP 16, tem que ser na África
do Sul, na COP 17. Não podemos deixar o tempo
passar, e os esforços para reduzir as emissões
devem continuar, com ou sem acordo.
O
Brasil, por exemplo, tem reduzido suas emissões.
Talvez o pico das emissões brasileiras tenha
sido no ano de 2005. A partir daí, reduzimos
os desmatamentos, as emissões vêm diminuindo
e agora vamos atuar em vários setores, não
só na área do desmatamento, mas de agricultura,
energia, indústria, e caminhamos para essa
economia de baixo carbono. Isso deve ser acelerado
e, é lógico, o jogo só se equilibra
quando há um acordo amplo. Se não houver
esse acordo, é como se alguém sempre
quisesse “passar a perna” no outro, uns
reduzem mais, outros não reduzem e outros aumentam.
Portanto, o acordo é importante, mas as ações
claras e que caminham na direção de
uma economia de baixo carbono não podem parar,
têm que continuar até que esse acordo
se torne possível e seja efetivado.
IHU
On-Line – Além dos problemas que a Amazônia
vive, o semiárido está cada vez mais
seco, o norte do RS vive um processo de desertificação.
Como o senhor encara as mudanças previstas
para o Código Florestal?
Carlos
Nobre – Esta questão de áreas
afetadas pelo processo de desertificação
no Rio Grande do Sul é muito interessante.
Não sou um especialista no assunto, mas acho
que isso é um misto de processos naturais com
o uso da terra e da cobertura vegetal. O solo fica
muito exposto ao vento e, principalmente, aos fluxos
de água, e acaba gerando moçorocas e
processos de desertificação em alguns
pontos. De fato, nos últimos dez anos, o clima
no sul do Brasil, principalmente no Rio Grande do
Sul, tornou-se mais variável, com períodos
de secas intensas próximas a períodos
de chuva. Um clima mais variável em uma região
onde o clima geralmente é mais estável
sempre motiva muitas coisas, mas não podemos
afirmar cientificamente que esse aumento da variabilidade
do clima no Rio Grande do Sul é provocado pelo
aquecimento global. Ainda não temos como apontar
isso definitivamente, mas é lógico que
qualquer mudança no regime climático,
observado por dez, vinte anos, chama atenção
e a comunidade científica tem, portanto, obrigação
de buscar uma explicação, se é
um fenômeno natural ou se tem algo a ver com
o aquecimento global.
IHU
On-Line – Existem outros lugares no país
que tenham indícios de desertificação?
Carlos
Nobre – O lugar onde mais existem indícios
de desertificação é no Piauí,
na parte do semiárido do Piauí. Existe
uma cidade chamada Gilbué que tem uma paisagem
lunar, a maior área desertificada do Brasil.
IHU
On-Line – No estudo, o senhor diz que o risco
de colapso da floresta é maior no leste e sul
da Amazônia, região que corresponde ao
Pará e Maranhão. Pode nos falar sobre
a situação atual destas regiões?
Que aspectos indicam que elas serão mais afetadas?
Carlos
Nobre – É o fato de que, nessas regiões,
a estação seca é mais longa do
que no oeste e no centro da Amazônia, onde dura
de dois a três meses. Já no leste e no
sul, essa estação seca dura de quatro
a cinco meses. Então, por isso, se o clima
fica mais seco, seja por aquecimento global ou por
desmatamento, a região passa a ter um regime
de chuva e seca muito parecido com o do cerrado do
Brasil central. O clima seria mais favorável
ao cerrado do que à floresta. A floresta precisa
ter água no solo e umidade o tempo todo. E
se é um clima muito sazonal, como é
no Brasil central, a vegetação que aparece
lá é de cerrados ou savanas tropicais.
O leste e o sul da Amazônia são cobertos
por florestas, mas tem um clima um pouco mais sazonal.
Essa é a razão dessa região ser
mais sensível às mudanças climáticas
e ao desmatamento.
IHU
On-Line – Que impactos esses problemas ambientais
da Amazônia podem causar em outras regiões
do país?
Carlos
Nobre – Não sabemos ao certo. Temos estudado
o impacto da Amazônia nas chuvas do sul, por
exemplo, no Rio Grande do Sul, nordeste da Argentina,
Uruguai e Paraguai. Uma boa parte do vapor da água
que participa dos processos de formação
de chuva nesta região sudeste da América
do Sul circulou pela Amazônia. Veio do oceano
Atlântico, entrou pela Amazônia, virou
chuva, choveu, caiu no solo, evaporou e choveu novamente.
É um vapor d’água com muita milhagem,
andou muito na Amazônia. A pergunta que se faz
é: se mudar o clima na Amazônia, será
que o vapor d’água, que hoje passa por
ela e alimenta chuvas, principalmente no sul do Brasil,
vai continuar o mesmo? Não sabemos, mas é
uma questão importante, principalmente para
as chuvas de inverno. Nas chuvas de verão,
as fontes de vapor d’água são
de muitos locais, mas as chuvas de inverno, no sul
do Brasil, recebem uma alimentação muito
grande desse vapor que passa pela Amazônia.
Não temos uma resposta definitiva, mas pode
haver um efeito principalmente nas chuvas de inverno
no sul do Brasil, com mudanças profundas na
agricultura, na ecologia e nos biomas.
(Envolverde/IHU-OnLine)